O presidente da Capital do Cavalo avisa que o seu ciclo autárquico está a chegar ao fim
Veiga Maltez diz que a Golegã não quer ser uma pequena cidade mas uma boa e grande vila
Veiga Maltez diz que a Golegã não quer ser uma pequena cidade mas uma boa e grande vila
José Veiga Maltez fala da sua política de preservação da identidade única da Golegã, a propósito da Feira Nacional do Cavalo – S. Martinho, confessa o seu interesse pela personalidade do Rei D. Carlos I e diz que está a chegar ao fim do seu ciclo autárquico. |
Defender a tradição é congelar uma época?
A tradição não é estanque. A tradição integra sempre elementos modernos. Tem alguma continuidade.
Em ocasiões especiais o senhor veste um traje de lavrador do século XIX. Com isso pretende simbolizar a preservação da tradição da Golegã. Mas quem escolheu um traje daquela época e não de outra foi o senhor. Podia ter recuado mais cem anos ou duzentos e vestir-se de maneira bem diferente mantendo a tradição.
Eu uso o que os meus tios e os meus avós usavam. Mas uso uma camisa dos tempos de hoje, por exemplo. Uso o meu relógio de pulso em vez de um relógio de bolso com corrente. Não uso colete. Adoptei o traje mas introduzi-lhe alguma modernidade. Actualizei-o. Coloquei-o nos tempos de hoje sem o desvirtuar.
O Presidente da Câmara, nos dias de festa, veste a roupa dos seus avós. Aconselha os goleganenses a fazerem o mesmo?
Não o devo fazer. Talvez com alguma persuasão pudesse levar pessoas a fazê-lo mas não pode ser uma obrigação. As pessoas têm que se sentir bem e fazer as suas escolhas. Mas se reparar bem, não é só o Presidente da Câmara que enverga o traje tradicional. De um modo geral as pessoas que estão ligadas ao cavalo fazem-no.
Há restaurantes onde é obrigatório usar gravata. Há cerimónias onde é exigido traje de noite. Na Feira da Golegã também há regras ao nível do vestuário?
As pessoas quando vão para o Picadeiro Central, que é uma espécie de sala de visitas da Golegã, têm que estar trajadas a rigor. Podem estar trajadas à portuguesa, à espanhola, à húngara, à inglesa. Mas têm que estar trajadas de forma a honrar o local e o acontecimento. Não dizemos às pessoas o que devem vestir mas exigimos que se vistam de forma a respeitar a Feira.
Na manga os cavaleiros podem andar vestidos como quiserem. Calças de ganga, inclusive.
Aí é diferente. A Feira continua a ser uma romaria e numa romaria aparece gente de todo o lado. Já não vêm negociantes vender mulas ou burros como antigamente mas manteve-se a vertente popular. Já há poucas feiras destas. Este lado genuíno é que faz da Feira da Golegã uma das mais típicas e tradicionais. Aqui as pessoas encantam-se.
Vem muita gente exibir-se à feira com os seus cavalos, as suas charretes. É uma feira de vaidades?
Cada pessoa terá as suas motivações mas nós aqui não encenamos nada. Este é um espectáculo espontâneo. Com conteúdo e substrato. Isto não é nenhuma invenção folclórica. Nós aqui não inventamos nada. Limitamo-nos a redescobrir as potencialidades. A maior parte daquelas pessoas que aqui vem trajada a rigor, não fez a roupa para se exibir na Feira. Usa-a noutras ocasiões de cerimónia. Tem orgulho em fazê-lo.
No editorial da revista da Feira diz que o 25 de Abril matou a Feira Nacional do Cavalo que tinha surgido em 1972 mas que a Feira de S. Martinho se manteve e foi possível recuperar a Feira do Cavalo em 1977 graças a isso.
Qualquer revolução é feita de modo abrupto. Muitas vezes anula o que está mal e o que está bem. Aqui havia coisas que estavam bem mas que não podiam existir na altura de acordo com o pensamento dos revolucionários eufóricos porque eles viam os nossos usos e costumes como algo retrógrado. Depois da euforia as pessoas reflectiram e perceberam que as coisas tinham que voltar a ser como eram.
Um regresso ao passado?
Nada disso. Um regresso aos nossos valores. Ao que era e é nosso. O concelho da Golegã tem uma identidade multi-secular e um legado civilizacional e histórico tão rico que não pode ser anulado.
Tem alguma coisa contra o 25 de Abril?
Eu costumo dizer que se não fosse o 25 de Abril eu não seria Presidente da Câmara.
Não será bem assim. Para um filho de uma família de trabalhadores seria difícil chegar a presidente de câmara no antigo regime mas o senhor é filho de uma das grandes famílias do concelho. Só não seria presidente da câmara se não quisesse.
Como era um bocadinho rebelde num certo número de coisas, com certeza que a União Nacional não me tinha como um bom filho.
Mas não era um oposicionista.
Não. O meu pai era um crítico. Nunca votou, o que naquela altura era complicado para um servidor público. Fomos habituados a analisar, discutir, criticar. Eu agora não conseguiria viver noutro sistema que não fosse o democrático.
A Feira de S. Martinho era uma manifestação popular. A Feira do Cavalo era uma manifestação da burguesia rural.
Nesta Feira, campinos, coudeleiros, lavradores, trabalhadores rurais, comerciantes estavam todos envolvidos. Aqui todos eles conviviam. Ainda hoje é assim. Há um respeito mútuo. Uma casa agrícola tem orgulho nos seus campinos e os campinos têm orgulho em pertencer a uma Casa que dá bons produtos e que divulga bem os nossos valores. Isto é assim. É aceite naturalmente. Não é imposto. Por isso é que, passada a euforia revolucionária e recuperado o bom senso a Feira voltou a ser como era.
Aqui na Golegã o campino não é o rei da Festa.
Tem razão. Associam muito mais o campino ao Colete Encarnado, por exemplo. À antiga feira do Ribatejo. Aqui o rei da Festa é o cavalo.
À antiga Feira do Ribatejo? E porque não à actual?
Actualmente quando estou na Feira do Ribatejo no CNEMA (Centro Nacional de Mercados Agrícolas em Santarém) não me sinto no Ribatejo. Aquilo é igual ao que acontece em Feiras que se realizam em Frankfurt ou Paris, por exemplo. Se não fossem os olivais ao longe eu nem me sentiria na Península Ibérica.
O que aconteceu em Santarém não pode vir a acontecer aqui?
Nunca! Nunca! Se tirarem a Feira deste local matam a Feira. Este é um local único.
As recentes polémicas à volta de eventuais fraudes na genealogia de cavalos lusitanos pode afectar a Feira?
De modo algum. Eu como criador do puro-sangue lusitano não gosto que estas situações aconteçam mas os casos foram sanados ou estão em vias de o ser e o que se passou não maculou a criação. E ainda bem que assim foi porque são divisas que entram no país, principalmente pelas vendas para a Europa e América.
Ainda há quem levante a questão da comercialização da água-pé?
Penso que continua em vigor a lei que permite a venda da água-pé no S. Martinho numa única localidade de Portugal que é a Golegã. Mas continue ou não, este produto é tão nosso que seria ofensivo que alguém pretendesse tocar-lhe. Eu só espero é que venha frio porque nos últimos anos não tem havido frio suficiente para fazer água-pé tão boa como nós desejávamos.
Gosta de água-pé?
As minhas bebidas preferidas são a água e o vinho tinto. Tenho pena que aqui na Golegã só exista um produtor de vinho tinto.
“D. Carlos é um Rei interessantíssimo que vale a pena descobrir”
Decidiram integrar as comemorações D. Carlos 100 anos na Feira Nacional do Cavalo. Tem alguma costela monárquica?
Primeiro que tudo sou constitucionalista. Mas repare, na Europa civilizada, a monarquia tem preponderância. Espanha, Inglaterra, Bélgica, Holanda, Suécia, Dinamarca, Noruega.
Está a falar como um monárquico.
Eu só não sou monárquico porque não aceito que o filho do Rei, mesmo tendo alguma deficiência congénita, tem que ser rei. Mas os monárquicos rebatem esta minha objecção muito facilmente, arranjam logo uma saída.
O cavalo é monárquico? É, de alguma forma, uma referência da monarquia?
Não. Há essa associação porque a transição para a era do automóvel coincide com o fim da monarquia. É uma coincidência a perda de importância do cavalo ter acontecido na altura da queda da monarquia.
O rei D. Carlos também se deslocava de automóvel.
Sim, sim. Não sei se conhece a história mas o irmão do Rei D. Carlos, o Afonso, era popularmente conhecido pelo “Arreda”. Ele era endiabrado e tinha um automóvel. Quando passava com ele, a velocidades que para a época eram elevadas, pelas ruas de Lisboa, as pessoas gritavam: “Arreda, arreda”.
Voltemos ao Rei D. Carlos. É a fotografia dele a cavalo que foi escolhida para a capa dos programas da Feira Nacional do Cavalo – Feira de S. Martinho, deste ano. Ele tinha alguma ligação à Golegã?
Para além de qualquer ligação D. Carlos é um Rei interessantíssimo que vale a pena descobrir. Era um cientista, um pintor, um diplomata. E para além de todas as qualidades que lhe são reconhecidas era um exímio apaixonado pelo cavalo.
Há registo da vinda dele regularmente à Golegã?
Penso que não. Nunca procurei. Quem vinha aqui regularmente era o pai dele, o Rei D. Luís. Foi várias vezes fotografado pelo Carlos Relvas. Dizem que o Carlos Relvas foi uma das testemunhas de baptismo de D. Carlos.
No dia de S. Martinho (11 de Novembro) é inaugurada a Exposição “D. Carlos, um Rei Constitucional” e o Coronel José Henriques profere uma palestra sobre o tema “D. Carlos e o Cavalo”…
E vou receber pela primeira vez o legítimo herdeiro da coroa portuguesa em acto oficial.
Nunca teve oportunidade de o receber antes?
Eu só poderia receber oficialmente D. Duarte Pio de Bragança após 2006, altura em que o Estado Português deliberou conceder-lhe representatividade política, histórica e diplomática. Eu como Presidente de uma Câmara Municipal da República Portuguesa posso agora recebê-lo oficialmente, o que farei com todo o gosto.
“Estou no fim do meu ciclo autárquico”
Porque decidiu fazer um pórtico num das entradas da Golegã?
O pórtico serve para dar informação imediata a quem entra, do local onde vai entrar e do que vai encontrar.
E o que vai encontrar?
A nossa urbe tradicional rural. Uma terra com uma identidade muito própria e com valores antigos. Temos muitas urbes citadinas à nossa volta. Entroncamento, Torres Novas, Tomar. Nós não queremos ser cidade. Não queremos ser uma pequena cidade ou uma má cidade. Queremos ser uma grande e boa vila. É isso que nós somos. Num mundo globalizado e uniformizado queremos manter as nossas características. Preservar a diferença.
Aquele Pórtico. Aquela porta do Norte ou a porta de Fernão Lourenço - conselheiro de D. Manuel I que tinha terras aqui na zona e foi, em parte, responsável pela construção da Igreja Matriz – é a entrada da urbe. Não temos muralhas. Não temos castelo. Mas temos história. Em 1520 D. Manuel I deu Foral à Golegã e em 1537 D. João III elevou-a à categoria de vila.
Quem desenhou o pórtico?
Fui eu. Se não fosse médico seria arquitecto. É algo de que gosto. É uma ideia minha que defendi junto do executivo municipal que a aceitou. Fiz o esboço e a nossa arquitecta e os nossos serviços concretizaram a obra. O pórtico tem inspiração na arquitectura da portugalidade. A arquitectura de Raul Lino, que fez a Casa dos Patudos, por exemplo, e de Amílcar Pinto que sentiam e traduziam nas suas obras a maneira de ser portuguesa. Tem o beirado à portuguesa. Tem as cantarias. Tem o branco, o ocre. E depois tem uns elementos que achei interessante pôr. Os azulejos mouriscos iguais aos dos altares laterais da nossa Igreja Matriz quinhentista, por exemplo.
Que importância tem para a Golegã?
O pórtico para nós é importante por uma razão. Vai separar a urbe tradicional rural de tudo o que vai surgir na zona da Avenida D. João III, a que vulgarmente chamamos variante quando vier o IC3. Vai separar o que é antigo, da Golegã mais moderna onde se podem fazer construções de arquitectura mais arrojada e moderna porque não vale a pena andar sempre a fazer casas do século passado.
Os críticos mais cáusticos já dizem que o pórtico parece a entrada para a quinta do Dr. Veiga Maltez.
Acho interessante porque eu, efectivamente, trato o concelho da Golegã como se fosse a minha própria casa. Com dedicação e entrega. Dou atenção aos recantos. Aos pormenores. Quero que as pessoas se sintam bem na sua própria terra. Antes de eu ser presidente a Golegã vivia um síndrome ansioso - depressivo.
Um síndrome ansioso - depressivo?
Nós gostamos que as pessoas que nos visitam gostem da nossa terra e sintam que aqui se vive bem. E as pessoas tinham alguma angústia porque não estavam bem na sua pele.
Acha que conseguiu tratar a doença?
Consegui que a Golegã se sentisse melhor. Mas não consigo erradicar o mal. Pelo menos a minha oposição, de vez em quando, anda ansiosa ou deprimida.
Pela maneira como fala está preparado para voltar a candidatar-se e continuar o seu trabalho.
Eu trabalharei sempre em prol da Golegã.
E como presidente de câmara trabalhará até ao limite que a lei lhe impõe?
Eu acho óptimo o limite de mandatos.
Mas isso não se aplica a si nesta altura.
Eu estou disponível mas o meu maior interesse é que a Golegã continue na senda do progresso e do desenvolvimento nesta vertente traçada por nós, que a diferencia dos outros, isso dá-me uma maior tranquilidade e pode ser feito sem mim.
Poderá fazer mais um mandato.
Aprendi na política a não dizer nunca e jamais mas estou a chegar ao final do meu ciclo autárquico. Ele pode ter uma pequena prorrogação, mas está a chegar ao final. Sinto isso. As renovações são boas. Mas logo se verá.
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