quarta-feira, 18 de janeiro de 2012


RESENHA HISTÓRICA

Povoação tão antiga como a Nacionalidade, situada numa fértil campina, foi considerada a "aldeia mais portuguesa do Ribatejo", concorrendo nessa condição ao 1.° Concurso da "Aldeia mais Portuguesa de Portugal", realizada no ano de 1938.

Azinhaga engalanou-se para receber o júri nacional, fê-lo admirar a casa campesina de quintal florido, símbolo do asseio ribatejano, mostrou-lhe todos os seus curiosos costumes, até há pouco conservados. Lavradores e Campinos cavalgavam, lindas raparigas exibiam os seus alegres cantares graciosos movimentos bailados, procedeu-se a desmama do gado bravo e depois a passagem do mesmo no rio Almonda, finda a qual foi exibida a rica gastronomia da região. A tarde foi preenchida com bailados e descantes, uma brilhantíssima parada agrícola e para encerrar com chave de ouro, a passagem desenfreada dos touros com milhares de pessoas enfrentando-os de peito feito.

Um dia inesquecível tinha acontecido em Azinhaga. A Junta de Província do Ribatejo aclamou-a, toda a imprensa lhe teceu rasgados elogios e Adolfo Simões Muller cantou-a num poema: "Azinhaga, a campina, rubra flor / Paleta viva dum genial pintor / Cujas tintas ganhassem movimento." Responsável por momento tão sublime na vida desta terra, todo um povo que Augusto Barreiros homenageou: "Mas foi a população anónima de Azinhaga que, com a sua garra, a sua força, a sua índole, lhe emprestou, inteirinha, o que tinha dentro para a grandiosidade que a festa, em hora única, alcançou. E para nunca mais, que nunca mais será possível, aqui, acontecimento de tamanha envergadura".

Localidade encravada no coração da Borda d'Água, Azinhaga e sede de uma freguesia que agrega ainda os lugares de Mato de Miranda e de Casal Centeio. Terra aureolada de benesses, devido aos seus terrenos pianos, férteis e fáceis de regar, vai buscar esses atributos, como diz Alberto Pimentel, a sua localização "na região da campina atravessada pelo Almonda e formada parte pelo miocénio lacustre, parte por aluviões" acrescentando, Serrão do Faria, que "os campos são férteis devido ao depósito das águas dos dois rios, com os olivais assentes em terrenos terciários planos, na sua maioria sílex-argilosos, com cultura intensiva de cereais de pragana que são farto manancial de riqueza agrícola".

Foi esta fertilidade que fez com que Azinhaga percorresse os tempos como localidade riquíssima, cujas terras despertaram o maior carinho entre os seus habitantes, mas que também atraíram gente da nobreza, residente em Lisboa, que aqui criaram famosas quintas, onde vinham repousar. Nasceu assim, por exemplo, a quinta do Almonda, antigamente pertencente à família Zarco da Câmara e, que viria a ser a famosa quinta da Broa, considerada um mito, o verdadeiro talismã das quintas de Azinhaga. No primeiro quartel do século XIX seria comprada por dois irmãos, Manuel e Rafael José da Cunha, seus rendeiros que em pouco tempo fizeram dela uma das melhores da região. A morte do primeiro, o irmão Rafael, padrinho de Rafael Bordalo Pinheiro, verifica que a prosperidade do seu património era já muito maior do que pensava. Manda construir o seu imponente palácio, começa a adquirir propriedades e o povo passa­Ihe a chamar "Rei dos Lavradores". O povo sentia-se feliz por o servir pois era homem que se realizava praticando o bem: aos novos que pediam dava trabalho, mesmo que devido a chuva não o houvesse; aos velhos que esmolavam dava broa, e, tantas vezes lhes deu, que a quinta do Almonda, de portões sempre abertos para os pobres, ficou até hoje conhecida como quinta da Broa.


Mas outras quintas existiram como as da Melhorada, da Cholda, do Meirinho e a de El-Rei. O dinheiro abundava, e tudo isso terá feito a paroquia de Azinhaga tornar-se num caso singular em termos nacionais. Possuía a imponência de duas igrejas, o numero recorde de dez ermidas, duas delas da apresentação do povo, e segundo a tradição chegou a ter um prior e oito curas nas capelas. Em meados do século XVIII o "Dicionário Geográfico" do Pe. Luís Cardoso diz que "a antiga freguesia de Santa Maria de Azinhaga era vigairaria de apresentação do cabido da Sé de Lisboa. O prior tinha a renda anual de 100$000 reis, era primeiro apresentado pelo Papa e depois passou a ser apresentado da Mitra". O cura era de apresentação anual do prior.

A origem do topónimo Azinhaga parece estar ligada à palavra árabe "Azzancha" cujo significado, derivado do verbo "Zanaca" aponta para rua apertada, caminho estreito, viela entre montes, charnecas ou valados. A ser dada como certa esta etimologia de Azinhaga então o povoamento do território da freguesia remontará ao período muçulmano. De concreto sabe-se que ao tempo de D. Sancho II, já o povoamento de Azinhaga havia sido feito, crendo-se que durante o século XII.

Nas cortes de Évora, realizadas em 1408, decidiu-se montar casa aos três infantes, filhos de D. João I. Nascia assim a Casa do Infantado, que até à sua extinção no século XIX, possuiu aqui em Azinhaga uma enorme fortuna constituída por vastas propriedades. Um dos vários infantes proprietários destas terras foi D. Fernando, um dos filhos de D. Manuel I, que para melhor poder administrá-las, decidiu construir um edifício composto por habitação de dois pisos, capela e celeiros para recolha de dízimos. A obra, considerada uma grande esperança de quinhentos para esta terra, situava-se no lugar do Arnado, fronteiro ao Almonda, mas em 1534 foi abruptamente interrompida devido a um pesadelo de D. Fernando que nesse mesmo ano morreria. De seus irmãos Afonso, Duarte e Henrique, este o Rei-Cardeal, sucessor de D. Sebastião, há também noticias de aqui terem estado.

É nesta época que começa o desenvolvimento de Azinhaga, atribuído normalmente a três factores, dos quais o mais importante foi sem dúvida o começo de drenagem dos pauis com o consequente aproveitamento das terras para a agricultura e pastorícia. Importante também foi a evolução conseguida na utilização do Tejo com a autorização de aumento de barcas para trans­porte nos diversos portos. Azinhaga teve barca de passagem quase na confluência do rio Almonda com o Tejo, local onde até 1940 era possível ver os alicerces do porto. Estas barcas que transportavam passageiros, gados e mercadorias, tiveram grande influência na economia azinhaguense, devido às receitas que as travessias originavam, sendo as rendas das barcas a principal fonte de receita de todo o concelho de Santarém, por volta dos finais do século XVI.

Foi este o século de ouro para Azinhaga, durante o qual foram construídos solares, ermidas e o edifício da Misericórdia, cuja instituição deve datar de meados do século. Nessa altura a população rondava os 500 habitantes, número que se mantinha em 1609, aumentando em finais do séc. XVIII para 1500. Isto já depois do nefasto terramoto de 1755 que provocou grandes estragos na freguesia como na Quinta da Melhorada, à época de dimensões colossais, sendo totalmente arrasada, o mesmo tendo acontecido ao lugar de Cholda-Bolda e a Quinta de S. João da Ventosa. Novos prejuízos tiveram lugar com as invasões francesas, cujo exercito sabendo da riqueza da agricultura de Azinhaga, não se coibiu de aqui se deslocar. Expulsos os invasores, o governo criou nestas terras, em Maio de 1811, um depósito de gado vacum para auxílio aos lavradores.

Nos inícios deste século XIX, Azinhaga, como freguesia rural, apresentava um rendimento colectável que se supunha ser o maior do País. Nos finais da centúria, a freguesia, pertencente desde sempre aos termos de Santarém e depois ao seu concelho, seria dele desanexada para integrar o novo concelho da Golegã, a partir de 21 de Novembro de 1895.

Nos nossos dias, Azinhaga é uma terra de renome internacional. Como a pecuária, desde as manadas de muito gado, foi o factor decisivo no engrandecimento do lavrador, também os cavalos e principalmente os touros foram os agentes do granjeamento do actual estatuto da freguesia.

Das suas ganadarias tem saído alguns dos mais bravos, fortes e corpulentos touros que se vêem nas arenas do País. Lidados sempre com o maior sucesso e constituindo um terror para os forcados, estes exemplares são o resultado de uma criteriosa selecção de reses, aquando da constituição das ganadarias e no decorrer das tentas anuais.

A coudelaria tem o seu "habitat" natural na área da Azinhaga, tendo sido fundada há cerca de cem anos por Manuel Tavares Veiga. Hoje é considerada a mais afamada de Portugal, com os seus cavalos de raça "lusitana" a serem disputados por cavaleiros portugueses e estrangeiros, devido ao nervo, elegância e graça com que enfrentam os touros.

Azinhaga foi berço de figuras notáveis, como os navegadores quinhentistas Francisco Serrão e João Serrão, o segundo conde de Rio Maior, o escritor José Serrão de Faria Pereira, os pintores João Veiga e José Quelhas Serrão de Faria e esse grande vulto da literatura portuguesa que dá pelo nome de José Saramago.

Nascido em 1922 na rua da Alagoa, cedo porte para Lisboa na companhia de seu pai, cidade na qual se vai revelar, mais tarde, todo o génio de um artista que se impõe como jornalista, poeta, dramaturgo e romancista. A sua obra, de grande qualidade, e a nível nacional aquela que lá fora conseguiu o maior número de traduções e lhe deu o grau de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Turim, o prémio do jornal britânico "The Independent" e o prémio Vida Literária da APE, o mais importante que, em termos literários, se atribui em Portugal. Os títulos dos seus livros são muitos, mas destaque-se "Memorial do Convento", "O Ano da Morte de Ricardo Reis", "A Jangada de Pedra", "O EvangeIho segundo Jesus Cristo" e o mais recente "Ensaio da Cegueira".

Noutra sua obra, "Viagem a Portugal", Saramago, referindo-se a Azinhaga, diz que "foi aqui que o viajante nasceu. E para que se não cuide que veio cá só por razões egoisticamente sentimentais, apontará a ermida de S. José que tem belíssimos azulejos azuis e amarelos, de tipo padrão e joalharia, e tectos admiravelmente ornamentados".

Mas não se fica por aqui o património edificado da freguesia, destacando-se ainda a Capela do Espírito Santo com as suas jarras de faiança do Juncal, a Capela de Santa Maria de Almonda, de interessante traga arquitectónica, alguns solares, pátios e cases alpendradas, para além da igreja paroquial.
O templo paroquial possui uma sóbria frontaria, dominada pelo pórtico, sobrepujado junto A arquitrave pinaculada pelo janelão do coro, envolutado, rematado com cruz. O interior e de três naves, cuja traga revela construção barroca, sendo os arcos que preenchem os termos de volta redonda e pousados em colunas cilíndricas. Admirável o tecto da ousia, abobadado e ornado de caixotões, bem como o silhar de azulejos do tipo padrão seiscentista.

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