quinta-feira, 8 de março de 2012

A Questão de Povoa e Meadas- Manifesto por José Domingos Ruivo Godinho

Dr. José Domingos Ruivo Godinho

Por: Jorge Rosa

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E a questão de Póvoa Meadas


José Domingos Ruivo Godinho, filho de um lavrador da Póvoa, estudou no Liceu de Castelo Branco, formou-se, depois em Direito na Universidade de Coimbra. Em 1866 era professor no Liceu de Castelo Branco e dez anos mais tarde veio mesmo a ser o seu Reitor. O facto de ser filho de um lavrador da Póvoa vai colocá-lo, em 1866, no centro de um conflito que opôs os lavradores ao Senhorio da Póvoa e das Meadas, à época o Duque de Loulé e ao seu rendeiro, Rafael José da Cunha.

O Duque de Loulé, Nuno Rolim de Moura Barreto, era detentor da Póvoa e das Meadas enquanto herdeiro dos Condes de Vale de Reis, família que sucedera aos Mouras na posse da vila.


Casado com a filha de D. João VI, Ana de Jesus Maria de Bragança, foi uma das personalidades mais importantes do seu tempo, tendo sido várias vezes Ministro dos Estrangeiros e Primeiro-Ministro. Por força da sua intensa actividade política não deveria ter muito tempo para administrar directamente o seu vasto património e, daí que tenha arrendado a Póvoa e as Meadas a Rafael José da Cunha.


Rafael José da Cunha era um dos maiores proprietários agrícolas de Portugal, sendo mesmo apelidado de o ‘Príncipe dos Lavradores Portugueses’. Detinha interesses na região de Castelo Branco, mas foi, principalmente, na zona da Golegã que centrou a sua actividade agrícola, tendo adquirido várias quintas onde implantou importantes núcleos de criação de cavalos e de gado bravo. Conta-se que costumava mandar dar broa aos pobres que iam pedir esmola á sua Quinta da Almonda, pelo que esta acabou por mudar o nome para Quinta da Broa.


Eram, pois, estes os homens que uma vintena de lavradores da Póvoa decidiu enfrentar em defesa dos seus direitos e que eles lhes tentavam retirar.


Como nos conta José Ruivo Godinho no seu manifesto com o título de ‘A questão de Póvoa e Meadas’, escrito na prisão de Portalegre em 8 de Agosto de 1866, decidiu tomar a defesa dos lavradores da Póvoa porque o rendeiro do Duque os quis obrigar a pagar o sexto do pão produzido nas Meadas, em vez do sétimo, estabelecido desde 1348 pelo Foral do Reguengo das Meadas e confirmado em 1511 pelo Foral de D. Manuel I, dado à vila de Póvoa e Meadas, para além disso fora-lhes retirada a liberdade de pastos, sendo obrigados a pagar grandes somas, aumentadas todos os anos. Liderados por Ruivo Godinho, os lavradores decidiram ignorar as exigências de Rafael da Cunha e dispuseram-se a lavrar as terras que, habitualmente lhes eram distribuídas.


No decurso do confronto, o Duque de Loulé deixa cair a máscara de liberal que ostentou na vida política do País e o seu rendeiro Rafael da Cunha a de caridoso proprietário, pois os meios que empregaram para subjugar os lavradores povoenses não tiveram nada de liberal e, muito menos, de caridoso. Segundo o relato do Dr. Ruivo Godinho, primeiro ameaçaram de prisão os lavradores que encontraram lavrando no campo. Como estes não pararam foram acusados pelo Administrador do Concelho de Castelo de Vide dos crimes de usurpação, invasão de propriedade imóvel e resistência à autoridade, o próprio Ruivo Godinho é acusado de roubo de lenha. Para impor a sua lei os opositores dos lavradores chegaram mesmo a enviar para a Póvoa uma força de cavalaria. No entanto, os lavradores acabaram por ser despronunciados dos crimes que lhes queriam imputar.

Movendo influências junto de vários deputados, o Dr. Ruivo Godinho consegue ser recebido pelo Duque e pelo seu rendeiro para uma tentativa de composição amigável. Os termos da proposta apresentada ao Duque eram os seguintes: os lavradores aceitavam pagar pelos terrenos de que o Senhorio vinha recebendo o sexto do pão, um foro não inferior a três contos de reis anuais. Com tal acordo o Duque receberia mais que a renda que lhe pagava Rafael da Cunha e os lavradores ficavam, ainda que por um preço elevado, com a liberdade de cultura dos terrenos.

Depois de vários adiamentos o acordo nunca foi assinado e a 6 de Março de 1866 a resposta foi dada pelo Administrador do Concelho de Castelo de Vide, que, acompanhado de força armada, destruiu a golpes de machado os arados dos lavradores que não queriam reconhecer o Duque de Loulé como senhor das terras em que lavravam. Mandou ainda que o Regedor da Paróquia fizesse rondas para impedir que voltassem aos campos para lavrar.

A 8 de Abril do mesmo ano foram incendiadas as cabanas onde dormiam os porcos de Rafael da Cunha. A 22 de Maio, Ruivo Godinho foi preso na sua casa em Castelo Branco e conduzido para a prisão de Portalegre. Nesse mesmo dia o Governador Civil de Portalegre, de quem partira a ordem de prisão, viajava para a Quinta da Broa de Rafael José da Cunha, para aí passar uns dias. Também nesse dia um criado do Governador Civil e o Administrador do Concelho foram à Póvoa e, arrombando arcas e fazendo outros distúrbios, arrancaram de suas casas mais vinte lavradores que foram fazer companhia a Ruivo Godinho nos calabouços de Portalegre, entre os quais o seu próprio pai de 80 anos.

Não satisfeito ainda, Rafael José da Cunha, enviou para a Póvoa um grupo de campinos que impediram de armas na mão que se levasse lenha para os fornos de cozer pão ou para consumo próprio e ameaçaram impedir os moleiros de moer.

Ficámos sem saber o desfecho deste conflito, mas dada a disparidade de forças não é difícil adivinhar quem ganhou. Mas ficou para a história a coragem destes lavradores, os verdadeiros construtores da nossa terra que, nesta e em outras épocas, trabalharam e lutaram. Fica também a coragem e o sentido liberal e democrático do Dr. José Domingos Ruivo Godinho que merece o nosso reconhecimento como ilustre povoense que foi.


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